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domingo, 15 de maio de 2011

LENDAS DE UBATUBA



Resumo de três lendas narradas por Washington de Oliveira no  livro “Ubatuba, lendas e outras histórias”e ilustradas por Jussara Cordeiro Guimarães com acrílica e mosaico sobre tela.




O Corpo Seco



    Dinico, como todos o conheciam, era um rapaz de costumes e vícios abomináveis, causava ao mesmo tempo compaixão e repulsa
    Seus pais viviam na mais profunda miséria, e ele , último filho, depois que os irmãos tomaram rumo na vida, ficou para martirizar impiedosamente aquele casal de velhinhos.
    Dinico vivia na farra e na jogatina, trazendo muito desgosto à família, até que o pai acabou morrendo de desgosto. A mãe continuou sofrendo com as maldades do filho, que até batia nela.
    Um dia, ao chegar à casa, ébrio, depois de uma noitada, encontrou a mãe muito doente no leito de morte a lhe pedir um pouco de água, e ele lhe respondeu:
_ Tens sede? Por que não morres? Toma, mata tua sede.
E assim dizendo passou rapidamente o pé, no braseiro que crepitava a um canto, lançando brasas sobre a velha moribunda. Depois, caminhou apressadamente para a porta, mas uma força estranha tolheu-lhe os passos, parece que para fazê-lo ouvir sua mãe dizer:
- Miserável! Vai! A minha maldição te perseguirá sempre! Não terás sossego em tua vida nem paz depois de morto! Bandido! A própria terra te rejeitará...
    Morrendo-lhe a mãe, a maldição desta não se fez esperar.
    O rapaz viu-se na miséria, abandonado, sem amigos, sem uma palavra de consolação. Tudo o rejeitava. Dizem que as árvores negavam-lhe sombra, deixando atravessar entre as ramagens os raios escaldantes do sol. As fontes ferviam se o desgraçado ia beber.
Suicidou-se. Encontraram-no enforcado no ramo de uma árvore, pendente sobre o Rio Lagoa, conhecido por Barra da Lagoa. Tratou-se do seu enterro, quando, no dia seguinte ao do sepultamento, o coveiro deparou com o cadáver de Dinico sobre a sepultura.     Assombrado com esse fato inédito, tratou de enterrá-lo novamente, mas de novo o cadáver emergiu à flor da terra.  Contaram, depois, que certa noite espectros macabros foram vistos transportando aquele corpo mumificado para a Barra da Lagoa, talvez porque tivesse morrido lá. 
    Véspera de Natal. Dezenas de presépios estavam sendo armados por toda a vila. E duas moças, Chiquinha e Clarita, foram explorar as margens do Rio Lagoa à procura de liquens e conchas para para o adorno natural da cena de Belém, quando Chiquinha encontrou um cepo disforme, coberto de belíssimas parasitas.
        Sofregamente pôs-se a catar aquelas preciosidades, e depois de limpá-lo todo, já se retirava, quando ouviu uma voz dizer:
- Moça, aqui tem mais.
Voltou-se. Soltou um grito agudo e caiu sem sentidos. O cepo que há pouco lhe fornecera delicadas plantas, mudava de posição, deixando transparecer perfeitamente as formas de um corpo humano, ressequido e corroído pela ação do tempo.
    Dizem que até hoje ali está o corpo do degenerado que a terra não quis receber, atendendo aos rogos da velha Maria Rosa.






Os Marinhos





    Toda a região sofria por igual os efeitos daninhos da seca. Seca tirana aquela!
E a pesca? Também falhara. Se todo santo dia, logo cedo, os pescadores saiam mar afora em busca do básico alimento para o seu sustento, retomavam alto dia, desanimados, com rebotalhos, trazendo aquilo que até há pouco desprezavam na praia à acirrada disputa dos famintos urubus.
    Enquanto os crédulos rezavam, aguardando o milagre da chuva redentora, Júlio e Camilo, dois inseparáveis rapazes do bairro passaram a observar o procedimento estranho de Marino, também amigo e companheiro, mas agora arredio, evitando-os com desculpas descabidas e alegações inconcebíveis. 
    À tarde, porém, viam-no caminhar pela costeira com petrechos de pesca, saltando de pedra em pedra, indo ponta afora, para o costão do Itapecericuçu, onde se demorava até o fim do dia, quando regressava com o balaio transbordando de peixes, bastante para o consumo da família e com sobras até para mimosear generosamente a vizinhança carente. 
    Convencidos de que um segredo maior havia e que era preciso desvendar, certa noite foram mais cedo e ocultaram-se entre moitas de samambaias, aguardando a chegada de Marino.
    Após longa espera, viram-no chegar e encaminhar-se ao declive de extensa laje, quase plana, que descia em rampa suave aprofundando-se no mar. Num dado momento um farfalhar mais forte agitou as águas próximas e dali emergiu uma encantadora mulher, inteiramente nua, que, com desembaraço galgou a penedia, mal disfarçando a total nudez com basta cabeleira entremeada de algas e de espumas!
    Surpresos, viram Marino correr ao seu encontro, enlaçando-a nos braços, e ali permanecerem em doce e prolongado idílio!
    Aquela era mulher perfeita, de corpo escultural e beleza fascinante que ali permaneceu por longo tempo em arroubos de amor até que, atirou-se ao mar, desaparecendo nas águas. Marino, então, pôs-se a pescar e em poucos momentos, como fazia todos os dias, regressou com farta provisão de peixes de grande porte - garoupas, sargos e badejos.
   Júlio e Camilo, atônitos com o que viram, voltaram outras vezes aquele pesqueiro, na esperança de desvendar o mistério de que eram testemunhas. 
   Um dia a enamorada ao contrário das outras vezes, demonstrava ansiedade em voltar ao mar e fazendo entender o seu intento, encontrava oposição de seu amante, que a prendia nos braços sem querer desgarrar-se dela. A jovem passou a debater-se desesperadamente, querendo gritar mas sem conseguir desprender a voz, e Marino percebeu-lhe, na boca exageradamente aberta, a garganta obstruída por enorme guelra vermelha, sem vacilar, num gesto rápido, estirpou a guelra que a impedia de falar, mas que lhe dava condições de viver nas águas do oceano.
   Foi então que de seu esconderijo os dois rapazes ouviram a jovem falar e perceberam que, trocando juras de amor, perfeito entendimento se estabeleceu entre eles: ela seria Ondina, filha das ondas e, casada com Marino, formariam, os dois, o venturoso lar dos Marinhos.  
   A família Marinho cresceu, multiplicou-se e viveu muitos e muitos anos, alegre e feliz.



A Gruta que chora

   Marcelina, jovem graciosa e alegre, de repente pareceu aniquilar-se, alimentando-se mal, perdendo as cores sem ânimo até para as tarefas costumeiras. Remédios já os havia tomado em grande quantidade, mas nada resolvia. Dias se passaram, até que certa madrugada, ao raiar do dia, Sinhá Anália,mãe da moça, ouvindo soluços provindos do quarto da filha para lá se dirigiu, encontrando-a murmurando palavras desconexas que pareciam ser:
    - Não! Não vá... não quero... espere...
   Então Marcelina, vendo a mãe ali postada, com voz entrecortada começou a falar:
    _A senhora sabe a estória daquele bicho, daquele dragão que mora na Toca da Sununga, não é? Sabe que eu até tinha vontade de ver o tal dragão? Pois uma noite - não foi sonho - eu tava acordada, tava acordada e vi quando ele veio sem fazer barulho, sem abrir a porta e entrou devagarinho aqui no meu quarto. Não demorou ele foi virando gente e ficou do jeito de um moço, mas um moço bonito que Deus me perdoe - perdi o medo. Ele se riu pra mim... Aí eu me ri pra ele e ele veio vindo, veio vindo, chegou perto de mim, passou a mão nos meus cabelos... Depois sentou-se aqui na cama... Depois... Depois ficou comigo! Oi, mãe, ele foi embora só de manhãzinha. E eu fiquei com tanta pena... Tive até vontade de chorar... E chorei, não tenho vergonha de contar, chorei mesmo! Agora, mãe, não tenho vontade de trabalhar, nem de comer, nem de conversar, nem de nada. Minha vontade é de ficar aqui no quarto, de porta fechada esperando que a noite chegue e que o bicho venha e se vire no moço bonito, pra ficar comigo até de manhãzinha
   Passava o tempo, quando certo dia bateu a porta de D. Anália, um monge, pedindo alguma coisa para comer, e esta fazendo-o entrar, agasalhou-o, deu-lhe de comer e atendendo às suas indagações, relatou-lhe toda a razão da tristeza que consternava aquela casa. 
   O velhinho, já ouvira falar do monstro satânico que atormentava a população daquele bairro, e justamente por isso é que ali viera, por inspiração divina, a fim de libertá-la da opressão que lhe infringia o Espírito do Mal.  O venerável ancião caminhou em direção á toca que abrigava o dragão da Sununga. Ali chegando, o monge ergueu os braços num largo e lento gesto do sinal da cruz, e ao murmúrio de piedosa prece, espargiu por sobre a pedra a água que levara num pequenino púcaro. 
   Naquele instante um trovão violento fez estremecer a terra,e o mar, rugindo em doidas convulsões, projetou-se violento contra a impassibilidade das rochas, para retroceder, abrindo-se ao meio, bem em frente à toca, dando passagem ao monstro que por ali avançou rugindo, sumindo ao longe, na profundeza das águas
   Hoje, quem se postar no interior da lendária gruta, perceberá cair lá de cima, das ranhuras da pedra, uma seqüência de pequeninas gotas que se infiltram na areia branca e fina que alcatifa o chão.
   Dizem, alguns, que são remanescentes gotas da água benta espargida pelo monge, que ainda caem, a fim de que o dragão jamais possa voltar.
Outros, porém, afirmam que são lágrimas de Marcelina, que lá voltou muitas vezes, na esperança de que o dragão, feito moço bonito, ainda voltasse, para ficar com ela .





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